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Bolsonaro: a gênese

Estava eu pensando se opinava ou não em mais uma declaração criminosa do Bolsonaro.

Que ele é violento, misógino, um dinossauro sobrevivente da ditadura nós sabemos. Muito se disse no facebook e no twitter a respeito – o fato dele acreditar que o ato de estuprar uma mulher é um favor, que ele estaria concedendo algo de bom ao exercer essa violência é um troço realmente grotesco e deve ser punido com o rigor da lei.

O que pouco a gente tem falado é sobre o porquê do Bolsonaro estar numa posição de destaque no Congresso Nacional, desfrutando do privilégio de subir numa tribuna e dar declarações odiosas e criminosas e ainda assim ter a sua voz ouvida e reverberada em milhares de pixels internet a dentro: Jair Bolsonaro nada mais é do que o Deputado Federal mais votado do Rio de Janeiro, com pouco menos de meio milhão de votos.

Existem intolerantes e eles querem ser representados no jogo político. E não é só no Brasil. Nos Países desenvolvidos, principalmente europeus, legendas e figuras públicas conservadoras como neonazistas, fascistas, xenófobos de toda ordem ganham cargos públicos, prefeituras de pequenas cidades, e fazem bastante barulho. Jair Bolsonaro nada mais é do que um efeito colateral da democracia. Que “infelizmente”, ainda é o melhor sistema que conseguimos implantar na sociedade e permite essas distorções. O problema não é exatamente existir um Bolsonaro, ou um coronel Telhada. O problema é que essa representatividade de centenas de milhares de pessoas é um sintoma. Um sintoma de nossa desigualdade, ignorância e deseducação.

Todos os eleitores do Bolsonaro são uns burrões então? Longe disso. Vi alguns amigos dando desculpas, tutelando e infantilzando os eleitores que foram às urnas digitar o número desse senhor. Eu não poderia discordar mais. Bolsonaro sim, reflete uma linha de pensamento de extrema intolerância. Quem vota nele sabe e concorda. Não há desculpas. Meio milhão de fluminenses acreditam que a morte de gays, a tortura, o estupro corretivo, a defesa de policiais assassinos de pobres são opiniões perfeitamente sensatas. Esqueça o fim das desilgualdades, a erracadição da miséria, os passarinhos cantando. Para essa gente, uma arma na mão para matar outra pessoa é a verdadeira visão de um mundo melhor.

Não adianta gritar apenas contra o Bolsonaro ou com qualquer inimigo demoníaco novo que surja e dê corpo a esse tipo de pensamento. Eu digo “apenas”, pois sim, devemos nos posicionar de forma muito firme contra esse tipo de declaração, jogar o mesmo jogo e se ele gritar, gritar mais alto contra. Mas não basta. Não é suficiente. Bolsonaros só irão desaparecer ou se tornar irrelevantes quando nós, como conjunto da sociedade, entendermos que temos que minar as condições para que essa espécie de ideologia germine.

O que temos conjuturalmente no mundo hoje é o ovo da serpente. Permite, assina embaixo, incentiva e dá fé para a barbárie. A espetacularização de declarações criminosas noticiadas como um mero debate (um grande jornal tem na sessão de “entretenimento” as declarações mais “polêmicas” do Deputado), a maneira rasa como lidamos com crimes contra os direitos humanos, nossa tolerância com as pequenas violências do dia a dia, nossa crença de que o progresso desenvolvimentista é a maneira mais adequada de fazer um País crescer, nosso egoísmo galopante, nosso materialismo desenfreado que precisa proteger bens, posições, status, tradições. É sobre essas coisas que devemos refletir.

Você pode raspar o mofo na parede, mas se não sanarem a umidade e o calor, logo as paredes estarão emboloradas de novo.

 


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